Acordaram numa casa estranha. Olharam-se, não se conheciam
nem se reconheciam. Tentaram falar, mas não havia voz. Estavam mudos. A casa
cheirava a mofo. Era velha, escura e suja. Teias de aranha pendiam por todo o
telhado e paredes. O assoalho rangia a cada movimento, parecia que nunca fora
pisado antes, e os únicos passos naquele carpete de poeira eram os seus, nem ao
menos havia sinal de como entraram lá, os únicos passos eram aqueles onde
estavam. As frestas entre as tábuas das paredes deixavam entrever: escurecia. O
lá fora era morno e alaranjado. Tentaram abrir a porta, mas não havia porta,
nem janela. Era uma grande caixa de madeira. Os olhos olhavam desesperados.
Como? Perguntavam. Precisavam acordar, pois nada daquilo poderia acontecer na
vida real. Um deles se jogou contra a parede, talvez conseguisse derrubar uma
das tábuas, mas eram tão sólidas quanto concreto. O outro procurava alguma
saída secreta em vão, conseguia apenas emaranhar-se nas teias de aranha.
Aranhas andavam por seu corpo, ele as esmagava, mas elas não morriam, corriam e
desapareciam entre o chão e a parede. Um grito fazia doer a garganta, mas não
saía. Sentia-se sufocar, como se o ar lhes fugisse dos pulmões. Caiu de
joelhos, rogava mudo a um deus que lhe libertasse do pesadelo, o primeiro
soldado a abandonar a guerra. O que sobrevivia de pé descobria móveis velhos
entre a poeira, era-lhe tão familiar. No álbum perdido na gaveta: pai, mãe,
irmã e ele, que também era o outro. Via-o morto, sufocado em seu próprio silêncio.
As mãos perdem o significado, solta o álbum e as fotografias se espelham pelo
chão. Também morreria, e logo. Escureceu e as paredes pareciam se estreitar.
Queria desistir, mas não sabia como, não tinha um deus, não saberia se
ajoelhar. Olha ao redor, tudo é sombra e vulto, as fotografias se apagaram, o
corpo apodreceu, seus passos desapareceram. Pelas frestas da parede podia ver:
lá fora, um menino catava estrelas numa poça d'água.