Como num estranho sonho, vi-me envolto em um emaranhado denso de
galhos secos e folhas mortas. O luar irrompia com dificuldade por
entre as árvores e o silêncio revezava com o estalar dos galhos ao
sinal dos ventos amenos da primavera.
Andei cambaleante na noite, enxarcando os pés no chão que ficava
mais úmido a cada passo. Os pés descalços se cortavam nas raízes,
os joelhos iam ao chão, depois voltavam ao ar, e tornava a caminhar.
Mais à frente, uma clareira. Os arbustos se afastavam dando lugar a
um grande jardim. Grande e belo, embora sombrio e melancólico. A lua
despejava sobre a relva um brilho tristonho e as plantas, de tão
secas, já não tinham cor. O silêncio pairava ferozmente sobre
aquele lugar, denunciando a falta de qualquer criatura vida ao redor.
Os pilares, que antes possivelmente sustentavam plantas trepadeiras,
foram tomados pelo fétido musgo, e o mato esgrouvinhado sufocava as flores que outrora haviam ali. Das fendas, ervas daninhas brotavam
e se espalhavam por todos os lados.
Enquanto caminhava, observando o jardim, invadia-me a inquieta
sensação de já ter estado ali num outro tempo, talvez quando
criança, ou numa outra vida. Imaginei aquele lugar em tempos idos,
quando a grama cobria o chão lamacento e as trepadeiras cobriam as
colunas exibindo as cores vivas das flores que se abriam na primavera
e, pareceu-me, que havia estado ali justamente nesses tempos de
beleza divinal.
De repente, meu corpo se elevou e os pés afastaram-se do chão. Uma
força estranha arrastou-me lentamente para o alto e a imagem do
jardim foi tomando outra forma. Do alto, de longe, vi a imagem
cinzenta do jardim que sentia ter visto outrora, tomando a forma
volumétrica do órgão que só do céu pude reconhecer. E, de
tristeza, estremeci ao ver que as flores murchas eram, na verdade,
minhas esperanças – e o jardim, meu frio e morto coração!
Baseado no poema A Garden (1917), de H. P. Lovecraft.