O último dia do mês de Fevereiro era sempre ansiosamente
aguardado pelos poucos habitantes da pequena vila de San Martín. O vilarejo de
poucas famílias, isolado no vale entre as montanhas do leste, nada tinha de
especial. Com suas ruas tortuosas, calçadas de paralelepípedos e uma dezena de
casas que circundavam uma velha igreja, a vila orgulhava-se do único e especial
evento que organizavam anualmente. Felizardo aquele que visitava o Carnaval de
San Martín!
Acontecia ao entardecer, quando a escuridão começava a
adentrar pelos becos e as lamparinas iam se acendendo. Os foliões iam saindo de
suas casas com tambores, flautas, banjos e trombones, e as serpentinas caiam
dos postes ao som das músicas carnavalescas. Todos com suas fantasias
extravagantes e obrigatórias, dos mais variados personagens. Havia Pierrôs,
Colombinas, Arlequinas, Capitães, Corallinas, Coviellos, Bobos da corte e
malabaristas que equilibravam objetos e cuspiam labaredas.
Apesar de todos serem conhecidos, naquela noite ninguém sabia
quem era quem. Era regra estar mascarado. Todos brincavam, cantavam e dançavam
anonimamente e para garantir que a regra se cumprisse plenamente, um vigilante
fantasiado de Gárgula ficava na entrada do vilarejo com uma estante cheia de
máscaras para os viajantes que ali chegassem.
Era raro viajantes aparecerem por ali, mas naquela noite um
rapaz se aproximou da vila seduzido pela música e as luzes do baile que
podiam-se enxergar do alto das montanhas.
— Seja bem vindo ao Carnaval de San Martín, meu rapaz. Escolha sua máscara e seja quem você quiser.
O rapaz acenou com a cabeça e cogitou passar sem pegar a
máscara, mas o vigilante o interceptou e voltou a repetir o chavão:
— Escolha sua máscara e seja quem você quiser.
O rapaz olhou desconfiado e voltou-se para a estante de
máscaras.
— Eu posso pegar qualquer uma? Tenho que pagar?
— Escolha a que você quiser, são gratuitas e obrigatórias
para se entrar na festa.
O rapaz coçou a cabeça e começou a observar as máscaras. Eram
muitas e de todas as formas. Heróis, vilões, personagens carnavalescos,
monstros, animais e até rostos de pessoas desconhecidas, mas entre todas, uma
chamou sua atenção de modo especial. Jogada num canto da estante, havia uma
máscara de vidro, completamente transparente.
— E esta, o que é? — perguntou o viajante intrigado com a
máscara que não esconderia seu rosto.
— Essa é a máscara que te torna quem você realmente é. É a
máscara que tira todas as máscaras.
— E qual é a graça de ser você mesmo no carnaval?
O vigilante aproximou-se, encostando sua fantasia levemente
no ombro do viajante.
— Você sabe quem você realmente é?
— Claro que sei! Como poderia não conhecer a mim mesmo?!
— Sorte a sua. Eu não teria coragem de usar essa máscara.
— Bobagem!
O viajante pegou a máscara e levou consigo, colocando-a já no
meio da festa. Um a um, os foliões foram paralisando ao vê-lo. Os flautistas
foram parando de tocar e os tambores se calando. Os banjos tocaram o último
acorde e as danças cessaram. Um silêncio amedrontador tomou conta das ruas de
San Martín e, de repente, todos os olhares de voltaram para o viajante. Olhares
aterrorizados.
Era a primeira vez que viam alguém completamente
sem máscaras.