A ARANHA {SAMANTHA DE SOUSA}



         Sentei-me sozinha e em silêncio. Todos dormiam e ao meu lado, alguns livros de linguagem estranha e uma caneca de café. Eu ainda tentava me organizar por dentro, um redemoinho de pensamentos provocava um caos em minha mente. O tempo se rastejava paradoxalmente, em pouco tempo muitas horas já se passaram. Eu continuava sentada e em silêncio, não tocara em um único livro. Uma sombra negra se movimenta na parede à minha frente, olho fixamente para ela e não sinto medo.
Levo a caneca à boca, mas o café já esfriou, eu sinto náuseas e cuspo o café de volta na caneca. Minha boca fica amarga e rançosa. A sombra se movimenta e parece crescer, ela caminha, descendo a parede até o vão da porta. Oito patas finas e longas. A criatura se precipita num salto e fica suspensa num fio de teia. Devagar, suas patas vão se enlaçando no fio e ela sobe, balançando-se na passagem. Eu não posso me mover. Fico observando aquele ser tecendo seu ninho na única saída do quarto em que eu estava.
A cada fio armado, a aranha se tornava maior e a teia ficava mais densa para sustentar seu peso. Até então, já teria se passado ¼ de hora ou ¼ de século e quase toda a passagem já estava bloqueada pela teia. Era uma teia branca, de aparência pegajosa. A criatura não cansava, parecia se tornar mais forte a cada fio lançado e trançado. Aos poucos, minha vista se tornava turva. Aos poucos, só o que eu podia ver era aquele vulto negro se contorcendo numa tapeçaria branca.
Minha respiração ficava pesada e uma espécie de torpor me dominava. Aranhas tecem teias para capturar seu alimento, eu era a presa e estava aprisionada sem ao menos tocar a armadilha. Eu estava aprisionada naquela estranha coreografia. Levantei-me forçosamente, com um movimento brusco e desatento derrubei a caneca, o café se espalhou sobre o chão e sobre os livros que também caíram, o som da louça e estilhaçando soou como uma perfuração em meus ouvidos. Despertei momentaneamente daquele quase-sonambulismo. Meus olhos foram sugados pelos olhos da aranha, ali, na minha frente: oito olhos imensos de um negro espelhado, em cada um deles eu via a imagem do meu rosto, era um rosto envelhecido, irreconhecível. Olhos fundos, pele ressecada e enrijecida, boca pálida, aquele rosto parecia ruínas de um tempo que eu nunca vivi.
Presa aos olhos da criatura, nem percebi que ela preparava o ataque: a presa esta pronta para ser devorada. Senti apenas o peso do corpo dela se abatendo contra o meu, minha vista escureceu instantaneamente. Contudo, foi como um piscar de olhos, um breve e pesado pisar de olhos. Quando os abri, ainda meio tonta e desequilibrada pelo ataque, não havia mais nada no quarto, nem teia, nem aranha. Tudo permanecia silencioso. Apoiei-me sobre a penteadeira ao meu lado e me olhei no espelho, a luz era fraca, mas eu podia ver: meu rosto ainda era o mesmo, mas em cada um dos meus olhos havia uma aranha negra tecendo uma teia de fios brancos.

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