Os
olhos pesavam presos num sono que não se consumia. Há sete dias ela não saia do
quarto, há sete dias ela não se alimentava, há sete dias ela não via a luz, há
sete dias ela não dormia. Pela janela entrava um vento extremamente congelante,
sentia os pelos se arrepiarem num lento calafrio. Lúcia tremia, era como se o
seu corpo fosse aos poucos perdendo o controle.
Os olhos de Lúcia encontravam os olhos dele e afundavam.
Eram olhos negros e profundos, como um além. Ele estava ali parado perto do
berço, era pequeno e parecia tão frágil, tão pálido, olhava tão fixamente para
ela que parecia invadi-la. A criança já não chorava mais, parecia ter perdido
as forças, quedava-se entre as cobertas em silêncio, pouco se movia, mas ainda
respirava. Lúcia também já não tinha forças, aquele olhar parecia sugar toda a
sua energia.
O olhar de Lúcia fugia daqueles olhos de escuridão e daquela
face vazia e passeavam pelas paredes ensanguentadas e cheias de visgos
apodrecidos. Quando aquilo tinha começado? Ela já não sabia mais, era como se o
tempo tivesse perdido o sentido. Durante sete dias, Lúcia esteve aprisionada
por uma eternidade. Aquela criatura simplesmente aparecera ali, no pequeno
quarto que dividia com seu filho recém-nascido, acomodara-se no pequeno espaço
entre o berço e a parede, implantara-se ali como um provedor de angústia.
A
princípio, ele só existia na mente de Lúcia, quando ela dormia e era arrebatada
por sonhos demoníacos, vozes a chamavam, mãos invisíveis a tocavam e
destroçavam sua pele, quando ela acordava, o alívio e o medo pairavam sobre si.
Mas agora, acordar já não bastava, os pesadelos saíam dos sonhos e se tornavam
reais. Quando ela fechava os olhos era como se fosse sugada por aqueles olhos
negros que nunca se desviavam dela. Aquele olhar incomodava como uma ferida
latejante e sempre ia de encontro ao seu, por mais que evitasse. Aqueles olhos
estavam em todos os lugares, Lúcia os via nas sombras, na face de seu filho em seu
próprio reflexo no espelho. Olhos de buraco negro.
Lúcia
já não adormecia, mas era como se estivesse dormindo, fora tomada por um sopor.
Via sua carne apodrecer todos os dias, vomitara pelo chão tudo o que havia
dentro de si. A náusea tornava a fome e a sede impossíveis. Lúcia ensurdecera, o
silêncio era absoluto e caótico, ela não ouvia nem mesmo seu próprio
pensamento, como se ele também tivesse se calado. Tudo foi silenciando aos
poucos: o desespero de Lúcia, o choro do bebê, os sons da cidade, as vozes que
invadiram o quarto. Tudo foi se calando devagar. O silêncio era grave como uma
nota fúnebre. Um rosto vazio, apenas as duas órbitas negras flutuando naquele
rosto pálido e morto, ele olhava para dentro dela. Aquele rosto sem boca
parecia devorá-la, mastigá-la. Era doloroso ser devorada por dentro.
O vento congelava sua alma e espalhava o cheiro de carne
podre que emanava de seu próprio corpo. Sim, ela estava apodrecendo, era
preciso então morrer. Lúcia levantou-se pesadamente e tomou o filho nos braços,
ela podia ouvir o palpitar do coração dele. Uma mistura de vazio e desespero a
preenchiam, ela estava tão perto dele. Ele olhava. Devagar, Lúcia caminhou rumo
à janela, não havia nada do lado de fora, apenas uma distância profunda entre
ela e o chão, olhou pela última vez para aqueles olhos de negro infinito,
apertou o filho em seu peito e se jogou.