O LABORATÓRIO {GIROTTO BRITO}


Depois de alguns meses desempregado, finalmente havia conseguido emprego num laboratório de ciências em uma escola próxima de onde morava. Era uma época difícil, o país estava em crise, a economia em recessão, não se podia desperdiçar oportunidades como aquela. Sem falar que o trabalho era relativamente simples, nada mais que manter os experimentos limpos e funcionando, e atender os visitantes que porventura aparecessem por lá. Dificilmente aparecia alguém, a não ser quando algum professor agendava hora para aula prática, mas ainda assim eram poucos que o faziam. Em geral, tive um pouco mais de trabalho apenas na primeira semana, quando tive que consertar vários equipamentos danificados, limpar as bancadas, catalogar as amostras de insetos, animais e plantas e fazer um inventário geral de tudo que havia dentro daquela sala.
Era uma sala grande, de aproximadamente cento e cinquenta metros quadrados, retangular e com um pequeno depósito anexo. Ao centro haviam três bancadas principais, cada uma com duas pias, uma em cada extremidade, e oito banquetas distribuídas quatro de cada lado. Nas laterais tinham armários com livros e muitos frascos de insetos, pequenos animais, fetos e modelos moleculares, além de dois manequins desmontáveis que ilustravam os órgãos humanos e o sistema circulatório. E nos fundos havia uma grande bancada onde ficavam os experimentos didáticos de física e armários em que se guardavam as vidrarias, logo ao lado do esqueleto humano, montado e exposto atrás de uma caixa de vidro para os visitantes. Minha mesa ficava junto à porta de entrada, de costas para a parede em que estava fixada a lousa branca.
Era um bom ambiente para se trabalhar, bem sossegado, e como boa parte do tempo eu ficava ocioso, aproveitava para ler ou estudar. Trabalhei naquele lugar durante três meses sem que qualquer problema de grau maior atrapalhasse minha rotina. No entanto, acreditem, num dia como vários outros, aconteceu algo além dos limites de qualquer imaginação. Algo que mudou minha vida e a forma como a enxergo. Antes, porém, preciso dizer que não sou louco, nem sofro de qualquer distúrbio psicológico, menos ainda sou adepto de crendices populares e posso afirmar com convicção que não foi delírio de uma mente sedenta por pregar uma peça no seu próprio dono. Foi tudo real, absolutamente real e assustador.
Era sexta-feira, ao anoitecer, e já me organizava para fechar o laboratório. Organizei os relatórios, guardei os materiais que estavam sobre a mesa e apaguei as luzes, quando lembrei que havia deixado a chave de casa dentro da gaveta da escrivaninha. Deixei a porta entreaberta e fui procurar pela chave. A sala não estava totalmente escura, mas numa penumbra causada pelas luzes enfraquecidas que entravam pela porta e janelas. Vasculhava os objetos na gaveta quando ouvi um som incomum. Vinha do armário na parede lateral. Um ruído, como daqueles produzidos por pequenos ratos, mas esse era diferente, pois jurava que era possível entendê-lo.
Aproximei-me do armário de forma lenta e silenciosa, para ter certeza de que o ruído realmente vinha de lá. Não havia dúvidas. Meu corpo reagiu num calafrio trêmulo e repentino, e os pelos se arrepiaram no momento em que toquei a maçaneta da porta do armário metálico. Girei-a vagarosamente e abri. Estavam todos lá, diversos frascos de vidro com insetos, peixes, anfíbios, répteis, fungos e algumas espécies de plantas, todos rigorosamente identificados por seus nomes populares, científicos, classes, filos, reinos, ordens, famílias e gêneros. Entre eles, um frasco maior se destacava. Dentro dele, o feto de uma criança: cabeça avantajada, coluna vertebral curvada e parcialmente translúcida, pernas e braços encolhidos e perfeitos; podia-se ver, mesmo na penumbra, os detalhes das pequenas mãos e pés, os dedos, os sinais de onde haveria de nascer as unhas; um corpo intacto que, por algum motivo não explicado na etiqueta do frasco, não se mantivera vivo.
Toquei o frasco e o girei. Para o meu horror, quando a face do feto se fez visível, pude enxergar os mínimos lábios que se moviam e produziam aquele ruído tenebroso. De repente, os pequenos e esbranquiçados dedos de suas mãos se dobraram e pude entender com clareza o que dizia o ruído:

. . . estou vivo . . .
. . . estou vivo . . .
. . . estou vivo . . .

Horrorizado, lancei-me para trás, caindo sobre as banquetas junto à bancada central. Ainda no chão, vi quando a criatura abriu seus pequenos olhos e tocou as mãozinhas no vidro, repetindo assustadoramente seu pedido de socorro. Numa reação quase que instintiva, agarrei uma das banquetas e comecei a golpear, alucinado, todo o armário, quebrando os frascos e, por fim, até a banqueta. Sem forças, distanciei devagar e, ofegante, fiquei observando o resultado do meu ataque de pânico. Pelo chão haviam cacos de vidro, tampas soltas, muito álcool derramado, insetos, animais, plantas e o feto, de bruços. O ruído finalmente cessara. Peguei minhas coisas, tranquei o laboratório e fui embora.

* * *

No dia seguinte, quando me ligaram, tentei justificar o que havia ocorrido contando toda a história, mas não acreditaram na minha versão. Segundo o que me disseram, não havia nenhum feto no chão do laboratório quando foram fazer a limpeza de toda aquela bagunça.


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